Canal Zé Frisinho e a difícil transição do jornalismo para a criação de conteúdo

Há dois anos, o meu amigo Cristiano Abreu, jornalista, começou a relatar no Instagram sua odisseia recuperando e “namorando” carros antigos.

Hoje com mais de 5 mil inscritos, o “Zé Frisinho” tem uma história que merece ser contada e nos serve para refletir sobre a grande dificuldade comunicadores tradicionais enfrentam na internet, e sobre como alguns deles conseguem superá-la.


Um pouco sobre o canal

Lá pelos idos de 2021, o Cristiano – um jornalista consolidado, que já foi editor-chefe do Diário de Santa Catarina e capitaneou o veículo na transição do Grupo RBS para a NSC, e que naquele momento exercia a mesma função no Diário de Viamão – ganhou da esposa um carro velho. Especificamente, um Ford Escort.

Ao colocar as mãos no tal Escortão, decidiu que devotaria seus anos seguintes a restaurá-lo e que compartilharia sua odisseia com o mundo.

Nascia ali o Canal Zé Frisinho – que hoje tem também uma presença (mais modesta) no Youtube. No canal, nosso amigo faz videologs da recuperação de suas relíquias, da busca por peças originais perdidas em depósitos, e também faz um pouco de humor. Vira e mexe, sai um “flagra” com algum clássico ainda rodando pelas estradas e ruas do Brasil.



Para quem não sabe, “Zé Frisinho” é um apelido dado, dentro dos círculos de amantes de carro antigo, aos perfeccionistas que buscam peças originais e que apegam-se obsessivamente à reprodução das características originais dos veículos, chegando ao detalhe de reparar nos frisos.


O grande desafio da linguagem

É comum vermos jornalistas e comunicadores criando canais no Youtube, no Instagram e em outras redes sociais e quebrando a cara. Esse pessoal acha que vai arrebentar e acaba patinando, porque a produção de conteúdo para internet não segue as mesmas regras do jornalismo e da comunicação tradicionais.

Eu acompanhei a “experência Zé Frisinho” desde seu nascimento e identifiquei esta dificuldade no canal, lá nos seus primórdios.

O Cristiano, no começo, ainda falava como um apresentador de reportagem de telejornal e fazia uma edição mais “séria” em seus vídeos, evitando as coisas que nós aprendemos serem “pecados capitais”, lá na época na faculdade (fomos colegas). Coisas que foram execradas por décadas mas que vemos todos os dias nos vídeos que fazem sucesso na web.

Com o tempo, no entanto, ele começou a modificar seu estilo.



Nas conversas privadas, eu percebo que a personalidade dele é a mesma de sempre: ele está sempre informado dos assuntos mais importantes, tem posições políticas bem fixas e segue disposto a opinar como fazia quando assinava sua coluna sobre política no jornal. Na internet, no entanto, ele vem cuidando cada vez mais do fator entretenimento. O estilo de apresentação dele vem também ficando mais animado e solto.

Isso não é pouca coisa.

Esta evolução exigiu que ele tivesse uma humildade raríssima de se encontrar em profissionais com um histórico como o dele.

Jornalistas “raiz” normalmente olham para influencers e youtubers como se eles fossem “comunicadores menores”, que só fazem sucesso porque o público é idiota. O Cristiano, não: ele tratou de aprender as regras do jogo no qual estava entrando.

Não estamos falando de um aprendizado fácil ou simples. Digo isso por experiência própria.

Eu diria até que a formação e a experiência que nós, jornalistas e radialistas “da antiga”, carregamos na bagagem torna as coisas mais difíceis. A garotada sem experiência prévia costuma estourar na web com mais facilidade justamente porque não precisa lidar com cacoetes e com o apego a fórmulas antigas.

Enfim…



O Canal Zé Frisinho é um experimento bastante interessante de se observar, ainda mais para o nosso pessoal saído das velhas redações. Eu o acompanho, ainda, porque é tocado por um camarada meu de muitos anos e porque adoro carros velhos (embora, às vezes, morra de ódio deles também).

Ao Cristiano, só desejo um sucesso cada vez maior. Que a comunidade de Zés Frisinhos cresça e que o canal nos leve ainda para muitas aventuras no reino do saudosismo automobilístico.