Bebeto Silva, o "Cabeça", foi um político à moda antiga, daqueles com linguajar politicamente incorreto, passava longe das concepções modernas de marketing, fazia as coisas largamente de improviso. E era um orador brilhante. Com a voz cada vez mais rouca, era feroz e certeiro, sendo oposição ou governo.
No total, ele teve seis mandatos como vereador. Sua carreira começou nos anos 1970, e no fim da década, ele chegou a presidente da Câmara. Acabaria voltando ao cargo máximo do Legislativo por mais quatro vezes.
Na redemocratização, juntou-se à turma do PDT, onde ficou até os anos 90. Quando o partido começou o grande processo de erosão que o destruiria no fim do século, Bebeto iniciou uma fase como líder do (então novo) PSDB na cidade. Foi vereador até 2004, quando concorreu a vice-prefeito na chapa do antigo adversário Chico Gutierres. Em 2008 tentou, sem sucesso, voltar à Câmara. Não concorreu em 2012, mas pouco tempo depois, começou a articular um novo partido, o PROS, no cenário local.
Bebeto teve uma vida política longa e agitada, e uma vida pessoal interessante. Mas sua biografia real ainda é menor do que aquela que acumulou no imaginário popular. Poucos sabem onde fica a fronteira entre uma e outra.
Mestre do discurso, da sinuca e das frases de efeito, sacadas no meio de qualquer conversa, vai deixar saudade em muita gente.
Eu o conheci quando cheguei a Viamão, há pouco mais de 10 anos, e lembro de ter ficado muito impressionado com sua capacidade de prender a atenção das pessoas. Era uma figura peculiar. Virei fã, por muito tempo. Ele era um desses políticos antigos e autênticos, nada a ver com a imagem do bom-moço pasteurizado.
Não sei se ele se levava a sério o tempo todo. Suspeito com quase total certeza que não. Bebeto já era um personagem folclórico da política viamonense, e tenho a impressão de que ele sabia disso. Apesar do bom humor, já o vi furioso. Especialmente durante campanhas eleitorais, que sempre são tensas.
Ele era inusitado, mas fazia as coisas acontecerem. E era um bagunceiro, sempre pronto a desmanchar jogadas ensaiadas e os cenários muito parados.
Claro, além das coisas boas, dizia-se muita coisa ruim dele. Tinha vários defeitos, não era nenhum santo. Não que fosse um homem mau: Bebeto era simplesmente humano.
Lembrei de uma cena: em 2004, ele comprou o primeiro telefone celular com MP3 que eu vi na vida. E para diferenciar dos telefones "polifônicos" comuns, ele botou um pedaço de uma música como toque. Era engraçadíssimo ver a cara das pessoas quando aquele "tiozinho" de cabelos brancos sacava do bolso o aparelho tocando o que parecia ser um Heavy Metal pegado. A música começava, todo mundo achava que haviam ligado um rádio, e ele, visivelmente orgulhoso, tinha a oportunidade de exibir seu novo brinquedo.
Fora da política, era muito legal conversar com ele. Meio engraçado, meio provocativo, alternava entre a gozação e o papo sério. Tinha bom "timing" até mesmo na hora do papo furado. Analisava quase tudo de forma certeira e, mesmo quando analisava errado, ainda assim era interessante de ouvir.
Nosso amigo morreu ontem, e foi velado, à noite, na Câmara Municipal. Seu local de descanso é o cemitério do Centro, não muito longe de sua casa. Já deve estar no Além, jogando sinuca e debochando de alguma coisa.
Hoje, dia do enterro, amanheceu com uma chuvarada tremenda. Como se a natureza estivesse triste pelo fim desse personagem que marcou seu lugar na política, na sociedade e no anedotário popular viamonenses.