Bom dia, amiguinhos. Hoje, como bom amante de História, quero falar de um personagem muito interessante: Mihai I (chamado de Michael I pelos anglófonos, e pode ser "aportuguesado" para Miguel I, ou ainda Mikhail I).
Esse foi o último rei da Romênia. Nasceu em 1921, e teve que assumir o trono em 1927, ainda criança, por causa das maluquices da família dele. Em 1930 foi substituído e voltou a ser coroado em 1940.
Bom. Só que Mihai reinou muito pouco. Com a ascenção dos pró-alemães, a monarquia virou apenas figuração e o rei não mandava nada. Ficou na mão do terrível Ion Antonescu, o ditador que alinhou o país com as forças do Hitler na Segunda Guerra Mundial. O rei tentou recuperar seu poder e derrubar o novo regime, sem sucesso, até que em 1944 conseguiu dar um Golpe de Estado. As tropas soviéticas estavam chegando ao país, e Antonescu e seus nazistas cairam.
O monarca comandou a Romênia por pouco tempo. Assinou uma rendição ao Exército Vermelho, e viveu uns anos em regime de "governo dual", batendo cabeça com Petru Groza, o primeiro-ministro que era figura de confiança do governo de Moscou.
Em 1947, Mihai abdicou do trono. A cena foi digna de cinema. O rei estava numa boa curtindo o feriado, e foi chamado às pressas, de volta para a capital. Entrando no palácio Elisabeta, encontrou Groza (ou, em outras versões, seu sucessor, Gheorghe Gheorghiu-Dej) com uma arma na mão e a abdicação pronta para ser assinada.
O caso da renúncia é ainda mais assustador porque, segundo o ex-rei, os comunistas prometiam matar mil prisioneiros políticos caso não fossem atendidos. Mihai assinou, e assim, pôde sair da Romênia levando ouro e obras de arte, além de seus assessores e mais um monte de pessoas ligadas ao antigo governo.
Embora muita gente diga que essa história de comunistas com um revólver na mão é pura "invenção da direita", ela é corroborada por ninguém menos que Enver Hoxha da Albânia, o mais casca-grossa dos lideres comunistas, em suas memórias.
Mihai foi o último rei a perder o trono nos países da "cortina de ferro". Depois de sua queda, toda a Europa Oriental estava tomada pelas Repúblicas Populares, alinhadas à União Soviética. A história do século XX e da Guerra Fria seguiu seu rumo já conhecido.
Essa coisa de "longevidade" acabaria virando sua marca registrada. Me acompanhem pelo resto do artigo, e verão.
CORTA!
A cena agora é quatro décadas depois.
Em 1989, o último ditador comunista romeno, Nicolae Ceausescu, foi morto a pauladas por seu próprio povo. Em 1990, o agora velho Mihai I entrou na Romênia usando um passaporte de diplomacia, emitido pela Dinamarca. Não deu certo. Foi expulso. E olha que ele nem pretendia dar um golpe: era só para visitar o túmulo dos pais.
Em 1992, o governo da Romênia finalmente permitiu que ele entrasse no país, sem malabarismo algum, só para celebrar a Páscoa. Multidões tomaram as ruas para ver seu antigo governante. O alvoroço foi tão grande, que o presidente Ion Iliescu tomou um susto e ficou feliz quando ele foi embora. Decidiu não deixá-lo voltar mais.
Em 1997, depois de uma eleição e muitas reviravoltas, um novo governo assumiu e restaurou a cidadania ao rei derrubado 50 anos antes. Ainda por cima, reservou para uso dele o velho Palácio Elisabeta (sim, aquele mesmo onde o ex-rei quase levou um tiro 50 anos antes).
O que talvez tenha sido uma grande ideia dos novos governantes.
Nosso monarca sem coroa passou a fazer um papel semi-diplomático, e de 1997 a 2002 levou uma vida de cigano, peregrinando pelos países da Europa Ocidental, convencendo todo mundo de que a Romênia agora é um país legal e amigo, inserido na economia de livre mercado, e um parceiro importante do "mundo livre". Com a ajuda dele, o país conseguiu entrar para a OTAN e a União Europeia.
É DELE QUE O POVO GOSTA!
Hoje, o velho monarca está com 93 anos. Em 2008, uma pesquisa apontou que 18% dos romenos quer a volta da monarquia. Mas a popularidade de Mihai I é muito maior, 45% adoram ele, e apenas 6% o detestam. Está melhor que a Dilma.
O REI DA LONGEVIDADE
Agora chegamos aos motivos pelos quais eu queria escrever sobre o último rei da Romênia e da Europa Oriental. Ele é uma espécie de "relíquia ambulante". Sério.
Nos anos 1940, o governo soviético, então parceiro, deu a ele uma "Ordem da Vitória", reservada aos heróis na Segunda Guerra Mundial. Foi um prêmio merecido. Embora sem seu pleno poder real, Mihai I foi um entrave à implantação da totalidade do horror nazista na Romênia. E ao derrubar Antonescu, ele encurtou a guerra em pelo menos seis meses, evitando dezenas de milhares de mortes. Embora vários personagens tenham ganho esta medalha, Mihai I hoje é o seu último detentor ainda vivo.
Em 2010, ele participou do Desfile do Dia da Vitória, em Moscou, também no papel de último comandante-em-chefe de um exército nacional durante a Segunda Guerra Mundial ainda vivo.
Ele é, ainda, o mais velho dos três chefes de Estado daquela guerra, ainda vivos. Os outros dois são seu colega e vizinho Simeon II da Bulgária, e Tenzin Gyatso, o Dalai Lama, do Tibete. Os três, oficialmente, reinaram durante a guerra, mas Gyatso e Simeon ainda eram crianças.
Na foto a seguir, vemos os ex-reis da Romênia e da Bulgária juntos. O que demonstra que Mihai, ainda por cima, foi o único do trio a não perder o cabelo.
Aliás, o ex-rei Simeon da Bulgária merece um artigo só dele.