Aconteceu esta semana, em uma comunidade de feministas. Um cara botou uma foto de uma manifestação, uma menina achou que a imagem dava um recado meio errado, e os dois passaram a discutir. Lá pelas tantas, ela despejou umas vinte linhas de "lição de moral" em cima dele. Ele a chamou de "puta" para baixo. Pronto.
O rapaz, claro, saiu rotulado de "machista misógino enrustido".
Inúmeros casos desse tipo empilham-se na minha memória. Gente esclarecida, que de repente começa a disparar chavões iguais aos daqueles que normalmente são seus inimigos.
A razão para isso é simples: poucas pessoas têm sangue de barata nas veias.
Certa vez, entrei em um debate sobre as cotas raciais. Eu discordava do sistema de critérios adotados, e apontei algumas contradições. Fui atacado por um sujeito que saiu direto tentando me desqualificar, como se, por ser branco, eu não pudesse nem me pronunciar sobre o assunto. Pronto: dali a alguns minutos, ele disparava "argumentos" de puro ódio e revanchismo, achava que eu nem merecia viver, e eu já estava considerando a desigualdade racial quase um prêmio pela engenhosidade do europeu. Não que, racionalmente, eu pense dessa forma. Acho que nem o outro cara pensa as asneiras que me disse. Trocamos insultos, fizemos ameaças, um horror.
Quando os ânimos se esfriaram, percebi que havíamos iniciado nossa discussão muito próximos, quase concordando, precisando apenas de alguns ajustes para convergir. Mas acabamos em extremos opostos, nos xingando.
É comum que isso aconteça, com muita gente.
Quando uma das partes resolve descarregar todas as suas frustrações em cima da outra, às vezes buscando "destruir" a outra para se auto-afirmar, não resta ao atacado nenhuma alternativa que não partir para o combate também.
Porque mesmo que a pessoa atacante tenha razão, concordar com ela é "dar o braço a torcer", parece que a pessoa recuou diante da pressão. "Ah, o cara era do mal mesmo, mas sentiu que seria bombardeado". E daí o sujeito não cede. Ele resiste. E ao resistir, move-se para o extremo, causando normalmente a mesma reação do outro.
Está mais do que na hora de as pessoas pensarem em algumas coisas antes de saírem bombardeando as outras com frases do tipo "vou te dar uma real" na web:
1 – Você sabe do assunto, e tem posições bem embasadas. Vou te contar um segredo: o outro também se vê da mesma forma, sabendo e bem embasado. Sair direto "corrigindo" o outro só vai ferir seu orgulho e provocar uma briga.
2 – Não, a "destruição" do discordante não vai te tornar melhor. Só vai te tornar um babaca, arrancar alguns aplausos de quem concorda contigo e é babaca também, e dividir o movimento ou grupo do qual os dois debatedores fazem parte.
3 - Em uma discussão sobre questões étnicas, o fato de alguém discordar de ti não faz da pessoa um racista. Na discussão de gênero, discordar não faz de alguém um misógino. Se é um grupo de esquerda, não concordar em um ponto ou outro não torna ninguém fascista. Se é de direita, ou de liberais, questionar um aspecto do discurso que está sendo construído não significa que a pessoa seja comunista e deva ir para Cuba. Antes de sair dando pancada, respire fundo.
4 – Não, a pessoa não mudará de idéia depois de ser totalmente desmoralizada por ti. Ela sentirá que NÃO PODE mudar de idéia, para não passar um atestado de derrota, de capitulação. É provável que, na ânsia de puxar a figura para a tua idéia, tu estejas fechando as portas disso para aquela pessoa.
Tu achas o verde mais bonito que o azul? Tentar fazer o admirador do azul parecer um idiota só o deixará convicto de jamais usar uma roupa verde na vida.
5 – Talvez até você tenha mesmo uma visão mais esclarecida do assunto do que o outro. Talvez ele esteja se aproximando do grupo ou da causa, talvez ainda precise amadurecer as idéias. Mas ao ser achincalhado, ele vai simplesmente debandar. Isso se não sentir-se compelido diretamente para a causa ou grupo exatamente oposto.
Ah. E não adianta dizer que "ele deveria aprender com quem sabe melhor". Isso é relativo, e no mundo atual, com toda essa horizontalidade, ninguém se vê como discípulo de ninguém, ao menos, não em uma porcaria de rede social ou fórum virtual de debates.
Eu gosto de relembrar: Mussolini foi expulso do Partido Socialista italiano, por posições que poderia muito bem ter sido discutidas dentro da sigla. Ele era um dos maiores nomes do grupo até ali. Mas as coisas se extremaram. E o resultado, trágico, todos conhecemos.