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    • 30/03/2015 - Entretenimento e Celebridades
      O Esquenta é o retrato televisivo do Brasil

      Péricles é o Messias. E nosso país é muito mais divertido do que eu imaginava.


       

      Não. Sério. O Esquenta é um grande programa. Apresentado por Regina Case, ele é quer ser o retrato e o espelho do Brasil das periferias, do Brasil real, do Brasil que as novelas da própria Globo não exibem.

       

      Sim, porque o Brasil da Globo é 90% branco, e nele, os pobres vivem como a classe média norte-americana. Não dá para crer...

       

      Bom.

       

      O Esquenta, enquanto tratado sociológico (sob o verniz de programa de auditório) nos ensina muitas coisas interessantes.

       

      A primeira delas é que o Brasil é povoado por uma ampla maioria negra. E isso, de fato, é verdade. Provavelmente o único dado incontestavelmente verdadeiro no Esquenta.

       

      Mas o que pouca gente sabe (e o programa ensina) é que essa gente negra que vemos no dia a dia, essa gente que usa roupa normal e trabalha em escritórios como nós, só é assim porque não assume sua negritude, sua brasilidade. Porque, de acordo com o Esquenta, os brasileiros "de verdade", são aqueles que têm uma cultura totalmente própria, embasada no tripé de valores tradicionais "bunda, extravagância e espiritualismo genérico".

       

      Nela, todo mundo usa boné ou cabelo com dreads. Nela, é proibido o uso de roupas em tons discretos. Poluição visual parece ser um atributo muito desejado na roupa, no cabelo e até na pintura das casas e nos ambientes internos. E todo negro cumpre seu papel sagrado, já bem conhecido e divulgado, na sociedade brasileira: cantar, dançar ou jogar futebol.

       

      Os demais papéis sociais, assim como as vestimentas não-espalhafatosas, parecem ser reservadas aos brancos. Ou aos traidores da brasilidade, claro.

       

      Fora isso, ninguém é fortemente religioso (a não ser os evangélicos). A maioria da massa só "tem que agradecer a Deus e ter fé", e frases do tipo.

       

      Os brancos, ou os negros não-estereotipados, que formam uma "nata", uma pequena minoria, são sempre intelectuais de classe média ou ricos, apaixonados pela cultura popular. Mais ou menos como aqueles britânicos que, nos filmes, botam um chapéu engraçado e um bermudão, e se enfiam no meio de aldeias numa floresta tropical.

       

      Uma das coisas mais interessantes é notar que toda criança brasileira dança o "passinho", e esta habilidade parece ser a coisa mais importante que elas podem fazer para agradar seus pais e a sociedade.

       

      Dançou passinho, tá feito na vida.

       

      Outro ponto interessante é o consumismo: se não é possível consumir produtos "de rico", é preciso então achar outras formas de consumir integralmente o salário. Tomar cerveja sem parar, colecionar adereços, qualquer coisa. É preciso aparentar. É preciso OSTENTAR. Afinal, o dinheiro tem que circular. Feio é ter uma vida modesta, à altura dos próprios rendimentos.

       

      Diante de tanto hedonismo, é preciso que tal sociedade tenha freios. E eles existem.

       


       

      A autoridade moral parece ser exercida, no sistema tribal brasileiro retratado no Esquenta, por um conselho de verdadeiros Budas, já com as barbas ficando brancas, sentados impassíveis diante da aparente anarquia ao redor.

       

      Sinceramente, não tem como não sentir uma certa paz espiritual ao ver o Péricles, absolutamente imóvel, no meio daquela explosão de cores e de gente pulando, que é o palco do Esquenta. É como ver um monge tibetano meditar em meio a uma guerra. Ou um faquir indiano placidamente deitado em meio a uma rua movimentada.

       

      Então, estamos aí...

       

      O Brasil é isso mesmo: um monte de gente pulando e cantando, com roupas coloridas, com uma pequena elite branca achando tudo muito bonito e inusitado. Os velhos sábios da aldeia dando pitacos. E a Regina Casé, comandando tudo, e nos deixando com saudades de quando fazia a TV Pirata.