AUTOR: General Sun Tzu.
LANÇAMENTO: século IV a.C.
EDITORA: várias, ao longo de quase 2500 anos.
Essa é uma das grandes obras fundamentais que eu considero indispensáveis à cultura pessoal de qualquer pessoa – ninguém deveria chegar à idade adulta sem ter o seu exemplar da "A Arte da Guerra", para ler e reler sempre que sentir vontade. Não pelas informações objetivas que ele dá, mas pelo aprendizado que rende ao leitor, sobre as pessoas ao seu redor e sobre alguns valores como a coragem, a perspicácia e a necessidade de aprender a pensar como "o outro" em toda interação com qualquer outra pessoa.
Trata-se de um livro sobre estratégia militar e como se deve empreender a guerra afim de vencê-la. Esta é a definição clássica de "A Arte da Guerra", mas não traduz com fidelidade toda a grandeza da obra, que é, antes de mais nada, um pequeno tratado sobre estratégia, aplicável ao mundo dos negócios e das relações interpessoais, e é acima de tudo um dos primeiros tratados realistas sobre a psicologia humana. Eu vou começar esta resenha citando um texto tirado da Wikipédia, e que fala da guerra nos tempos de Sun Tzu:
Só poderemos apreciar a originalidade do pensamento de Sun Tzu se dispusermos de uma noção das diferenças qualitativas entre as artes de guerrear nos séculos IV e V e as de períodos anteriores. Até 500 a.C., a guerra era, de certo modo, ritual. Efetuavam-se campanhas sazonais, em conformidade com um código mais ou menos estabelecido. Estavam proibidas as hostilidades durante os meses das sementeiras e das colheitas, enquanto no inverno os camponeses semi-hibernavam nas suas cabanas de tijolos, sendo o frio demasiado para se poder combater. Também no verão era quente demais. Teoricamente, pelo menos, as guerras eram interrompidas durante os meses de nojo que se seguiam à morte de um senhor feudal. Em combate, não era correto bater em homens velhos ou aplicar qualquer golpe a quem já estivesse ferido. O governante de boa índole não "massacrava cidades", não "emboscava exércitos adversários", nem levava a guerra para além da estação própria, e nenhum príncipe que se prezasse se baixava a qualquer dissimulação ou aproveitaria qualquer oportunidade desleal.
São 13 capítulos, cada um deles com um título bastante simples. Algumas partes são bastante específicas, falando sobre estratégias de campo, posição de carroças de combate, cavalaria, formação de fileiras e aparelhos de artilharia (primitivos, claro). Essas partes chegam a ser meio tediosas para quem não curte História, porque são instruções detalhadas sobre movimentação de tropas aplicáveis às guerras antigas, ou seja, aquelas que foram travadas até a invenção dos primeiros rifles e canhões funcionais.
Mas a maior parte do livro é uma imensa aula sobre o espírito humano. Especialmente as lições que Sun Tzu tenta nos passar sobre liderança das tropas, diferentes tipos de índoles encontráveis entre a soldadesca, e os meandros da mente diante de situações de pressão. Eu não tenho como listar todas as lições neste sentido aqui sem ter que transcrever boa parte do livro, mas posso citar uma das lições mais interessantes, pelo menos para mim:
Após cruzar um rio, se o general precisa que seus soldados tenham o máximo de coragem na hora de combater, o ideal é quebrar as panelas (para que eles não possam ficar acampados), e afundar os barcos (para que eles não possam voltar). Assim, eles lutarão até a morte, com toda garra. No mesmo sentido, ao cercar uma cidade inimiga, Sun Tzu nunca fazia um cerco perfeito, deixando "sem querer" uma das saídas da cidade desguarnecida. Isso porque o inimigo, na hora da pauleira, não tendo por onde escapar, tende a lutar ferozmente até o último homem, causando grandes baixas de ambos os lados. E se a cidade tem uma "porta de saída" por onde os mais covardes percebem que poderão fugir sem morrer nas mãos do inimigo, o exército sitiado começará a ver suas fileiras diminuírem. Até o ponto em que o próprio general defensor da cidade ficará tentado a bater em retirada pelo flanco onde não será atacado durante sua fuga. É uma lição aparentemente militar, mas tem muito a ver, por exemplo, com a política, e até com disputas em família e outras – quando uma pessoa não tem para onde recuar, ela luta até o fim. Do contrário, considera a chance de recuar.
"A Arte da Guerra" é um livro muito antigo, e realmente útil, que foi utilizado por reis, navegadores, generais e empreendedores através da História, e cada um destes sujeitos foi anotando suas próprias conclusões nos cantos das páginas. Assim, é possível encontrar hoje edições que incluem os comentários rabiscados no exemplar de Napoleão Bonaparte, por exemplo. Uma das melhores edições que eu já vi, por incrível que pareça, é um pequeno livro "de bolso" da editora Martin Claret, que faz parte da coleção "A Obra-Prima de Cada Autor" – trata-se do livro de Sun Tzu, recheado com os comentários de alguns generais chineses de períodos posteriores, com um ou dois séculos de diferença entre si. Esses caras debulhavam as lições sobre psicologia, e as ampliavam, com uma simplicidade que não vemos nos autores desta área em tempos atuais.
Aliás, agora mesmo me ocorrem as palavras que definem este verdadeiro tratado sobre a natureza dos conflitos humanos: "simplicidade" e "objetividade". Sun Tzu não era um literato e nem num erudito, e portanto escrevia tudo "em linguagem de gente normal", com frases diretas e sem meias-palavras. Ao mesmo tempo, consegue ser exato no que diz. Às vezes, lendo este livro, me dá uns flashbacks sobre umas coisas que o meu pai diz – e ele não é psicólogo, é contador, mas tem habilidades quase sobrenaturais para "perceber qual é" a das pessoas, por isso se destaca na área de pessoal, RH, essas coisas. Sun Tzu seria um grande "RHzeiro" hoje em dia.
O autor do livro é um mistério. Na época em que Sun Tzu viveu, era costume que uma pessoa famosa fosse creditada como autora de vários textos de autorias variadas, e depois, quando novas adições ao "livro" formado por essa coleção fossem feitas, elas também fossem atribuídas ao "autor" do original. Assim, Sun Tzu pode ter sido um general de nome diferente, ou apenas o sortudo que escreveu a maior parte da obra e levou crédito sozinho inclusive pelos textos escritos por seguidores ou imitadores. Não se sabe. Mas se era um sujeito só, devia ser bem inteligente.
Sun Tzu, seja lá quem foi ou foram, era um cara bastante sábio, que deixaria perplexos muitos desses guris que jogam games de guerra, achando que "ser bom" é ser sanguinolento. Lá pelas tantas, Tzu fala da importância de poupar as construções, os civis e as instituições (coisa que o ex-presidente Bush bem poderia ter aprendido no colégio): "É melhor tomar um Estado inteiro porque, destruindo-o, diminuímos seu valor e será mais difícil mantê-lo." O livro começa com uma frase mais ou menos assim: "O verdadeiro objetivo da guerra é a paz".