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    • 16/12/2013 - Livros
      Assim Falou Zaratustra

      Homens superiores, o pior que tendes é não haver aprendido a dançar como é preciso dançar: a dançar por cima das vossas cabeças! - já dizia Nietzsche.

      AUTOR: Friedrich Nietzsche

      LANÇAMENTO: 1883

      EDITORA: várias

       


      Antes de falar do livro em si, é importante dizer algumas coisas sobre Nietzsche: ele era alemão, tinha formação como filólogo e era professor desta matéria. Mas, desde novo tinha a saúde bastante deteriorada e, por isso, acabou sendo aposentado cedo. A partir daí, livre de qualquer obrigação profissional e recebendo uma pensão modesta, passou a viver viajando pela Europa, em hotéis baratos e espeluncas, sempre escapando dos climas frios e úmidos, que pioravam sua condição (a medicina do final do século XIX não tinha como ajudá-lo).

       

      Nessa vida errante, Nietzsche escreveu diversos livros de filosofia. Apesar de não ser filósofo de formação, conhecia muito sobre o assunto.

       

      Sua linha filosófica era bastante original. Ele rejeitava esquemas racionais como a dialética, e acreditava no poder da afirmação de verdades fundamentais, na negação de falsos conceitos e na transvaloração dos valores do homem de sua época. Nietzsche foi pouco lido enquanto estava vivo. Embora tivesse admiradores influentes, como o como o compositor Richard Wagner, permaneceu anônimo até morrer. Ele aceitava bem esta condição, dizendo que era "póstumo", e só seria reconhecido depois de morrer. Tinha razão.

       

      ASSIM FALOU ZARATUSTRA

      Capa da edição da L&PM, que eu tenho em casa - e a capa da primeira edição.
      Este foi o primeiro livro que li deste pensador, e até hoje - depois de ler boa parte de sua obra - considero-o ainda o melhor. Mas não me encorajo a reler, porque é um livro longo, cheio de reviravoltas, e que deixa o leitor meio incapaz de se conformar com a vida na sociedade "normal" por alguns dias. Talvez eu é que fosse jovem e suscetível demais quando o li pela primeira vez. Não sei.

       

      Enfim. Nietzsche se traveste na figura do profeta Zaratustra, personagem mítico da Pérsia antiga e criador do Zoroastrismo. Mas, o filósofo alemão não escreveu uma pregação zoroastrista, apeans usou a figura como protagonista em vários pequenos contos e causos que vão expondo toda uma linha de pensamento sobre a vida, a fé, os valores e o sentido da vida.

       

      A linguagem empregada é meio poética, cheia de aforismos, com alguns diálogos e partes inclassificáveis. Não é um livro explicadinho, com teorias, evidências e coisas assim. Não. Às vezes, o narrador parece um louco atirando ao ar frases soltas, que fazem sentido em si mesmas, sem maiores teorizações.

       

      "Não é a força, mas a constância dos bons sentimentos que conduz os homens à felicidade"

       

      Teoricamente, os contos podem ser lidos em qualquer ordem, mas aí não fazem muito sentido, o ideal é ler o livro da maneira normal mesmo. Cada conto nos traz lições e reflexões importantes, formando uma espécie de bíblia subversiva - de fato, a estrutura lembra muito o Novo Testamento.

       

      A mais dura verdade.
      O tema central de Zaratustra é o "super-homem" - a raça humana atual seria apenas um estágio intermediário entre o macaco e o homem mais evoluído. Este homem surge quando a humanidade - num futuro indefinido - livra-se daquilo que a prende em sua mediocridade. Nietzsche fala desta mediocridade, por exemplo, manifesta nas divindades "fracas" que são adoradas em sua época: o cristianismo e suas noções de humildade, de simplicidade, de docilidade. O homem superior, para Nietzsche, não é o cordeiro, não está no rebanho - ele tem vontade de poder, ele afirma, ele anda de forma decidida, sem deixa-se guiar. É a ruptura com as normas idealistas.

       

      "O homem é corda distendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; travessia perigosa, temerário caminhar, perigosos olhar para trás, perigoso tremer e parar."

       

      Nietzsche ataca, por exemplo, o cristianismo, não pelas razões que normalmente se usa para atacá-lo - e sim porque, para ele, o apóstolo Paulo, ao formatar o cristianismo, criou um universo baseado nas noções de recompensa e castigo, transformando seus crentes em não mais que animais amestrados, movidos pela promessa e pelo medo. O homem superior seria livre disso. O que não significa tornar-se mau, e sim, ser aquilo que ele é, não por medo ou ambição.

       

      "O medo é o pai da moralidade."

       

      E aí, vai encarar?
      Nietzsche usa, também, uma noção que ele já havia citado em outras obras: a de que Deus morreu. Cabe ao homem agora tomar-lhe o lugar - ter a coragem de tornar-se o próprio deus. Isso tem umas mil interpretações, mas é o tipo de coisa que casa perfeitamente com o século XX - que Nietzsche não chegou a ver nascer, pois morreu em 1900 - uma era sem deuses e sem parâmetros "sagrados", "tradicionais", em que cada um, ou cada grupo, tem que buscar sentido e significação, reinventar-se, em um cenário movediço.

       

      "Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem número, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Aonde leva? Não perguntes, siga-o!"

       

      Qualquer semelhança com pessoas de hoje...
      Zaratustra, no livro, é um profeta de uma época antiga indefinida, mas, usando-o como uma espécie de avatar, Nietzsche faz sua pregação, suas previsões, de legítimo profeta da pós-modernidade, do mundo do último terço do século XX em diante. Ou talvez, dos dilemas dessa época - porque, na verdade, espíritos livres e avançados sempre existiram, vivendo na era "pós-humana", de forma isolada, enquanto a maioria - infelizmente ainda hoje - permanece remanchando.

       

      "E porque necessita de alturas, necessita de degraus e de contradição entre os degraus e entre aqueles que sobem! Subir é o que quer a vida e, ao subir, supera-se."

       

      "As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."

       

      Nietzsche é pop.

       

      NAZISMO?

      Nietzsche é, até hoje, alvo de grande preconceito porque suas ideias, trinta anos depois de sua morte, foram usadas como uma das bases filosóficas do nazismo - especialmente a noção do "homem além do homem", do "homem superior", que eram intelectuais, morais, e receberam uma "interpretação" racial e genética por parte de Hitler e seus amigos.

       

      Esta noção do Nietzsche nazista perdurou por muito tempo - basicamente porque a palavra "Übermensch", usada pelo filósofo para descrever o "homem além do homem", era empregada para descrever os membros da raça ariana. A colagem da filosofia Nietzscheana como fundo predecessor do nazismo teve o apoio da irmã do filósofo - que chegou a dar a bengala do falecido pensador, de presente, a Adolf Hitler. A velhota viu um caminho para se dar bem no regime nazi.

       

      Nietzsche, no entanto, expressa em seus livros uma grande rejeição ao anti-semitismo e ao orgulho militaresco dos alemães de sua época. Felizmente, sua Nietzsche superou os maus usos feitos dela, e hoje é lida sem chocar a ninguém.